É mais grave do que se pode imaginar, com evidente comprometimento das finanças públicas, o acordo extrajudicial firmado no dia 29 de junho passado entre a governadora Ana Júlia Carepa e o prefeito de Belém, Duciomar Costa.
Além de estabelecer uma aliança política para a eleição de outubro, o acordo foi o pretexto encontrado para resolver um calote que o Estado aplicou no Município, deixando por dez anos de pagar R$ 333 milhões- corrigida, a dívida alcançaria R$ 550 milhões- a que Belém tem direito pela redução dos percentuais da cota-parte do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Pelo acordo, cujo resultado é hoje o apoio do PTB de Costa à candidatura à reeleição de Carepa, o município receberá apenas R$ 162 milhões, pagos em cem prestações até 2019.
O advogado pediu ao juiz Marco Antonio Castelo Branco, responsável pelo processo, que seja decretada a suspensão dos efeitos jurídicos e financeiros do acordo, principalmente a cláusula sexta, além de bloqueada qualquer operação financeira com base nessa transação.
Outro pedido de Moraes é para que seja enviado ofício ao Banco Central determinando a expedição de aviso ou carta circular para que nenhuma instituição financeira faça qualquer operação de antecipação de receita, seja para o Município de Belém, seja para qualquer outra pessoa física ou jurídica. Quem fizer isso incorrerá nas penas de co-autoria nos crimes previstos na lei federal 10.028/2000, e de multa diária de 5% sobre o valor da operação.
OPERAÇÃOS
e por acaso já tiver havido alguma operação de antecipação de receita que comprometa as finanças do Estado do Pará, Moraes pretende que seja deferida liminarmente medida cautelar suspendendo seus efeitos. A governadora e o prefeito também seriam intimados para que não façam qualquer negócio jurídico com base na referida transação, sobretudo os repasses previstos dos valores de R$ 8 milhões e R$ 4 milhões, e de operação de crédito, seja em nome do Município ou do Estado.
Moraes requereu ainda que sejam submetidos ao polo passivo da ação cautelar os procuradores Alynne de Nazaré Athayde de Lima e Ibraim José das Mercês Rocha em razão de terem concorrido para o “matagal de ilegalidades”. O Ministério Público é chamado a investigar o acordo e a Assembleia Legislativa a tomar conhecimento.
O gabinete da governadora Ana Júlia Carepa não respondeu ao pedido do DIÁRIO para que ela se manifeste sobre o caso. O procurador Ibraim Rocha também não retornou as ligações. Na Procuradoria-Geral ninguém soube informar onde ele estava. O prefeito Duciomar Costa e a secretária de Assuntos Jurídicos, Alynne de Nazaré Lima também não foram encontrados para comentar o acordo que assinaram. Assessores de ambos disseram que eles não irão falar sobre o assunto.
>> Cláusula dá “cheque em branco” para Duciomar
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Segundo Ismael Moraes, a transação extrajudicial é “apenas uma aberração perto do monstro que foi criado”. O negócio, que sacramentou o casamento político entre Carepa e Costa, na avaliação dele, contém cláusulas que trazem “prejuízos imediatos e incalculáveis à ordem das finanças públicas do Estado do Pará”. A medida cautelar proposta por Moraes se faz necessária para impedir que a transação “se desdobre em fraudes financeiras irremediáveis”.
A escritura cria para o Estado a dívida de R$ 162 milhões, já tendo sido pagos R$ 8 milhões - “independentemente de qualquer manifestação judiciária posterior”, como diz a cláusula terceira do documento -, mais R$ 4 milhões para serem pagos até novembro próximo. O saldo devedor de R$ 150 milhões tem pagamento previsto até 2019. A coisa fica mais grave, porém, na cláusula sexta. É aí, garante Moraes, que mora o perigo.
Essa cláusula, em que a governadora aparentemente amarra o prefeito, acaba se transformando em um cheque em branco de Carepa para Costa. Diz a tal cláusula: “Fica o Município de Belém autorizado a ceder, total ou parcialmente, o crédito decorrente da presente transação sem qualquer interveniência e/ou participação do Estado do Pará, sub-rogando-se (sic) o cessionário em todos os direitos e deveres do Município de Belém decorrentes da vertente transação”.
Moraes abre fogo contra a cláusula sexta, afirmando que ela não apenas contraria tudo o que diz a Lei de Responsabilidade Fiscal, como configura pelo menos quatro crimes previstos na lei federal 2848/1940, alterada pela lei federal 10028/2000, que preveem os crimes contra as finanças públicas.
“Ao constituir qualquer sujeito indefinido, ou mero portador, um qualquer cessionário a quem o Município ceder os créditos ‘confessados’, por meio da escritura tais créditos se transformarão em títulos mobiliários da dívida pública ao portador”, acusa o advogado, acrescentando que isso fere o artigo 38 da LRF.
SEM CONTROLEO
pior é que não haverá controle de ninguém, seja do Ministério da Fazenda, do Banco Central, da Assembleia Legislativa (AL), do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e nem do próprio governo, enfim, sem que ninguém saiba quantas vias da tal escritura Costa iria replicar, multiplicar ou triplicar.
Se a governadora passou meses tentando obter autorização da AL para poder obter empréstimo bancário, como ela poderia agora colocar as finanças públicas nas mãos de alguém com o prontuário judicial de Duciomar sem autorização legislativa, por meio de uma prosaica escritura? É a pergunta que Moraes faz ao procurador-geral do Estado, Ibraim Rocha.
Para ele, todas as exigências dos artigos 32 e 33 e dos artigos 34 a 37 da Lei Complementar 101/2000, foram reduzidas a uma escritura pública de transação, feita num cartório de Notas, em meio às festas do final de junho, com fogos, bandeirinhas, mingau, compadres e comadres de fogueira, onde foram queimadas as finanças públicas do Estado.
O advogado lamenta que as finanças estaduais estejam agora nas mãos de Duciomar, “que já foi condenado por fraude na Justiça Federal e responde a diversos processos por malversação de dinheiro público”. E dispara: “É difícil imaginar qual o mais celerado daquela festa junina, que será histórica.”
Ele também diz que os envolvidos no acordo constituíram “verdadeira quadrilha com a finalidade de assaltar o Estado”, invocando como fundamento o artigo 842 do Código Civil. O artigo do qual Carepa e Costa se socorreram para lavrar a escritura no cartório Kós Miranda seria apropriado para negócios privados, mas “imprestável” na aplicação de finanças públicas. (Diário do Pará)
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