Presos depois que uma perícia apontou suas armas como a origem dos tiros que feriram o juiz Marcelo Alexandrino e sua enteada, de 8 anos, em uma blitz na autoestrada Grajaú-Jacarepaguá, no Rio, policiais criticam o treinamento que receberam na Academia de Polícia Civil. “Nunca havia disparado com aquele fuzil”, conta Souza, um dos policiais presos pelo crime na última sexta-feira (8). A perícia ainda não identificou de onde partiu a bala que atingiu o filho do juiz, de 11 anos.
Veja o site do Fantástico“Eu tenho dois meses de polícia. Foi a primeira situação minha de confronto real. Treinamento pra blitz, nós não tivemos nenhum. Dentro da academia, isso não foi dado. Nós tivemos treinamento de uma semana de abordagem e progressão, uma semana pra tiro, sendo que desse tiro foi um dia de fuzil, com 50 disparos. Isso está dentro da nossa carga horária, que é publicada em Diário Oficial do nosso curso de formação”, explica ele.
“Se a Academia de Policia não prepara, a preparação deles é deficiente: senhor diretor da Academia de Policia, por favor, reveja seu programa. Se o delegado não os instruiu, na academia vocês não tiveram aula de como montar uma blitz, eu vou dizer pra vocês antes de vocês irem pra rua: senhores delegados, passem a fazer isso. As responsabilidades são várias”, rebate o juiz.
Procurada pelo G1, a assessoria de imprensa da Polícia Civil do Rio de Janeiro não foi encontrada para comentar a atuação de sua Academia de Polícia.
‘Dei três tiros: bum, bum, bum’, diz policialDos seis policiais que participavam da ação da Polícia Civil, só ele e outro colega foram indiciados. Segundo o órgão, a ação fora montada para coibir arrastões. Eles afirmam que houve uma troca de tiros no local e, por isso, teriam disparado.
“Tava ali porque eu recebi ordem de tá ali, que a gente tinha que interceptar os bondes que estavam passando na região”, afirma Souza, que conta em detalhes: “Eu gritei: para, polícia! Aí a situação começou a se desencadear, tudo muito rápido. Eles começaram a dar ré. Eu gritei ‘vem, vem, vem’, pra minha equipe. E a gente começou a progredir, começou a subir. Quando começamos a subir, esse carro começou a fazer um balão pra vir na contramão, e já escutamos os dois primeiros disparos, vindo lá de cima. Dois disparos: pá, pá”. Depois, conta ele, atirou para o alto e, em seguida, para baixo, na direção dos carros.
Já Andrade, companheiro de ação, também indiciado e preso, nega. Segundo ele, após ouvir os tiros, se escondeu atrás de uma árvore. “Olhei assim rápido, eu vi um Civic escuro, atravessado na pista. Aí eu pensei: ‘caramba, deve ser esse carro que tá atirando na gente’”, conta. “Eu botei o fuzil pro lado e dei três tiros: ‘bum, bum, bum’, em direção ao barranco, e voltei. Porque eu queria conter mais tiros em nossa direção, estava esperando o bonde ali”, afirma o policial.
‘Marcelo, o cara vai atirar’, avisou mulher de juizJá segundo o juiz e sua família, o que eles viram foram três homens armados cercando um carro. “Eram pessoas de preto exibindo seus fuzis e um carro vermelho parado de portas abertas e os caras em cima. Pronto, estão assaltando, vamos voltar”, conta o Juiz, que ainda ficou na dúvida se tentava ou não fugir, mas acabou dando meia volta na tentativa de escapar pela contramão.
“As crianças estavam desesperadas, podiam sequestrar elas, e a Sunny (Alexandrino, sua mulher) nervosa, a mãe dela nervosa e outros carros parando também. A Sunny começou a falar pra mim: 'Marcelo, o cara tá correndo. Marcelo, o cara tá apontando. Marcelo, o cara vai atirar'”, lembra o magistrado, que, mesmo ferido, dirigiu até um hospital próximo.
“Eu sabia que estava baleado, sabia que não ia aguentar, mas eu programei minha mente. Quando eu ouvi que as crianças tinham sido baleadas falei: eu morro, mas chego lá, não sei como”, diz Marcelo. “Saí do carro peguei minha filha nos braços já entrei gritando: 'pelo amor de Deus, minha família foi baleada, minha filha, tem mais gente, meu marido'”, completa Sunny.
Frustrações dos dois ladosEmocionado, Andrade fala do sonho de entrar na polícia. “É algo inimaginável, porque você entra com um sonho. Nós tínhamos outras opções de concurso, podia fazer tantos outros... Escolhi esse, ele escolheu esse, passou pra analista do TJ (Tribunal de Justiça) e não assumiu. Falou: ‘quero polícia’, entendeu? A gente trabalhava todo dia dando o nosso melhor. E você vê, agora, vou ser preso. Mas não tem problema: a gente confia em Deus, a gente vai vencer essa luta, né? Não desrespeitando o que aconteceu com o magistrado, que realmente é uma coisa horrível”, resume o policial.
Marcelo também fala de sua decepção. “Quando eu soube (que os tiros partiram de policiais), me deu uma tristeza tão grande... Gente, eu preferia que fossem bandidos, porque a função do bandido é fazer o mal, a função da policia é proteger”, indaga ele, que pede: “Nós temos um exemplo do que foi feito de errado, que deve gerar uma reflexão dos gestores e daqueles que são geridos, se todos pensarem: ‘bom, já que essa família escapou com vida, que não seja eu o próximo policial a atirar num inocente’”.
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