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domingo, 8 de janeiro de 2012

Entrevista com o Coronel Comandante Daniel Mendes

Cinco dias após a mudança no Comando da Polícia Militar do Estado do Pará, essa semana, o principal foco de atuação da nova gestão já foi anunciado: o combate à violência no interior do Estado será prioridade. Ex-comandante do Policiamento da Capital, aos 48 anos de idade e 27 de profissão, o coronel Daniel Mendes foi escolhido para assumir o comando da corporação pelo governador do Estado, Simão Jatene, na última segunda.

Belenense e pai de dois filhos, Mendes já ocupou quase todos os comandos da PM, tanto da capital, quanto do interior. Agora aposta no atual modelo implantado na capital paraense para diminuir - a exemplo dos índices divulgados pelo governo - a incidência da criminalidade em todo o Estado.

Confira entrevista cedida aos repórteres Cintia Magno e Ismael Machado

P: Em entrevistas, o senhor vem anunciando um direcionamento agora maior para o interior...

R: O emprego, hoje, da corporação, da força operacional e dos recursos disponíveis, é todo baseado em dados técnicos. Não existe mais espaço para o amadorismo na área da segurança pública e com a Polícia Militar não é diferente. Se analisados os dados divulgados ano passado, se percebe que houve uma diferença muito grande entre o que aconteceu na capital do Estado e o que aconteceu no interior. Embora tenha havido queda nos dois setores, a queda na capital foi muito maior que no interior, cerca de 33%, enquanto que no Estado todo foi de 16%. Então, se nota aí, que o modelo aplicado na capital foi muito eficiente. A ideia é pegar esse modelo e adaptar ao interior do Estado. Por que adaptar? Porque o Estado é gigantesco e com regiões com características muito diferentes. O modelo é aplicável porque a base desse modelo são três pilares: operação, inteligência e integração. Dependendo de cada interior, se muda a ação, mas os pilares que sustentam essas ações sempre serão esses três. E o nosso desafio é justamente esse, porque é muito fácil falar de integração, mas na integração você lida com questões de vaidade, tanto pessoais, quanto institucionais.

P: Nós temos dois perfis no interior do Estado, a grosso modo. Temos o perfil de determinados locais em que os crimes ainda estão muito ligados à questão da terra e à existência dos piratas nos rios, e outro perfil que é a situação de que alguns municípios estão inchando, como é o caso de Parauapebas e Marabá. Que tipos de crimes vocês percebem como mais acentuados no interior?

R: Como você coloca, em determinadas áreas nós temos mais o lado dos conflitos agrários e por outro lado temos uma área que está em plena expansão, o que atrai muita gente e provoca uma tendência de aglomeração de pessoas e uma tendência de aumento do índice de criminalidade e violência. O sistema todo prevê isso e já tem uma série de projetos para essa área, inclusive com aumento de efetivo no local, para acompanhar esse desenvolvimento econômico que vai acontecer na região. É por isso que eu digo que há uma diferença entre a ação que é desenvolvida em Belém e a ação que vai ser desenvolvida lá.

P: Certa vez, conversando com um sociólogo, ele disse que um dos problemas da segurança pública é que se corre muito atrás das operações, da coisa pós-fato e não se busca - aí é uma questão mais de Estado - as causas que originam isso. Nós fizemos uma matéria sobre isso no bairro da Terra Firme, onde ouvimos que basta que se acabe com os becos que você já diminui uns 40% dos crimes. Quando você urbaniza, já modifica o cenário...

R: A Polícia Militar tem o papel de prevenir e o sistema todo, de uma forma geral, quer evitar que aconteça. Mas agimos, realmente, mais nas consequências e não nas causas. Alguém diz que é muito fácil, que é só retirar os becos, mas a questão é como fazer isso. A polícia sabe que isso influencia a situação da segurança, mas a questão é como resolver. Existem algumas ações que a gente sabe que pode solucionar. Por exemplo, o Pró-Paz agora é uma ação do governo que busca integrar a segurança pública com as questões de prevenção social. Isso é uma busca e uma ação de prevenção. A gente ouve muito que a polícia sempre age em cima de fatos que já aconteceram. É verdade porque você não tem como mensurar aquilo que não aconteceu. Ou seja, você consegue sempre comparar o que aconteceu com o fato que aconteceu no mês seguinte e isso te possibilita uma certa orientação de que se aquela ação é precisa ou não em cima daquela demanda.

P: Temos um problema pontual que é o tráfico de drogas. Combatê-lo seria uma forma de prevenção, porque o tráfico acaba influenciando outros crimes. No último balanço divulgado houve um aumento nos casos de tráfico. Por mais que o secretário [Luiz Fernandes, secretário de Estado de Segurança Pública] diga que isso significa que está havendo uma ação mais efetiva do sistema, também não pode significar que a incidência de tráfico de drogas é muito grande aqui no Pará?

R: Vamos comparar isso com a questão do assalto com refém. Você tem acompanhado aqui em Belém muitos assaltos com refém na mídia, mas se está acontecendo muito assalto com refém, é sinal de que a Polícia Militar está mais presente nas ruas. O que aumentou foram as ocorrências em que a Polícia Militar está atendendo porque a Polícia Militar ampliou a capacidade de atender à demanda que já existia. Não temos indícios de que o tráfico de drogas aumentou. O que nós temos [de indícios] é que a ação do sistema de combate ao tráfico de drogas aumentou. A gente sabe que o tráfico de drogas influencia outros crimes. Mas é o pequeno delito [dos dependentes que acabam roubando] que incomoda a sociedade. O que incomoda a sociedade, na verdade, é aquele assalto que acontece no ônibus. É isso que provoca aquela sensação de insegurança.

P: Ia falar, justamente, nessa sensação de insegurança...

R: Há uma diferença entre a sensação de insegurança e a insegurança real, porque ela é subjetiva. Você pode ver muita polícia na rua e dizer ‘agora estou seguro’. Mas outra pessoa pode ver muita polícia na rua e dizer ‘não vou sair de casa, tá tendo muito problema na rua, tá cheio de polícia’. Isso é muito individual. Só à medida que os índices forem baixando, que a polícia demonstrar mais competência operacional e que houver o melhor atendimento do sistema à comunidade, é que essa sensação vai começar a cair. Hoje é inquestionável que a polícia está mais presente nas ruas e que estamos muito mais voltados a atender a comunidade. Você vê viaturas da PM em becos e antigamente você não via um negócio desses. A PM antes só estava nos corredores. Hoje você a vê presente em todo lugar.

P: Você disse que os assaltos com refém sempre estiveram nessa cadeia do crime, mas parece que estamos meio que importando modelos. Era raro ver casos de assalto com refém aqui antes de começar a aparecer na TV que acontecia no Sul do Brasil...

R: Acho que sim, mas também vamos acompanhar o comportamento da imprensa. Ela hoje, está muito mais diligente. As coisas acontecem tão rápido que, às vezes, essas informações não têm nem tempo de chegar aos dirigentes. Elas acontecem e a mídia já está registrando. Então a mídia registra muito mais fatos, divulga muito mais fatos que já aconteciam antes, mas que não chegavam ao conhecimento da massa como hoje. Essa divulgação também gera essa sensação de insegurança. A forma como a gente divulga isso alimenta essa situação.

P: Qual é a margem de manobras que um comandante da Polícia Militar tem, em termos de efetivos, recursos, possibilidades estratégicas? Os recursos da PM são próprios ou precisam de aval do governo?

R: A Polícia Militar é uma entidade autônoma. Ela tem liberdade para emprego operacional da tropa dela. Naturalmente, quando você trabalha com uma visão integrada, é necessário que esse emprego seja coordenado. Porque de repente você está colocando efetivo em uma área em que você já tem um reforço da Polícia Civil. Isso é um desperdício de recurso. Daí a importância do registro dos fatos. Por isso a comunidade também tem um papel importante. Ela passa para a gente o que está acontecendo e isso nos ajuda a agir antes que fatos aconteçam. Quando os recursos são insuficientes, ele [o comandante] vai dizer que precisa de mais, porque os números que precisa atingir não estão condizentes com o que eu tenho que atingir.

P: O efetivo, hoje, é suficiente?

R: Claro que precisa de mais. Isso é uma coisa que a gente luta há muito tempo. Há regiões nossas, como o Marajó, que são muito carentes de efetivo. São regiões onde há um acúmulo econômico muito grande e que você precisa de maior efetivo para atingir a demanda. Agora você pode, sim, fazer um melhor trabalho mesmo com o efetivo existente desde que tenha um direcionamento técnico.

P: Você falou ainda a pouco da participação ativa da comunidade. Ela está crescendo em relação a isso? Em alguns lugares as pessoas têm receio de ‘abrir a boca’...

R: Primeiro com relação à UPP, é importante destacar que há uma diferença. A UPP [Unidade de Polícia Pacificadora] do Rio de Janeiro busca ocupar um território que foi ocupado pelo tráfico de drogas, recuperar aquele território que não estava sendo mais administrado pelo Estado. Isso não acontece em Belém. Não se tem aqui um espaço dominado por nenhuma facção. Aqui é a UIPP. Na verdade, é uma Unidade Integrada do Pró-Paz. Ou seja, estão se integrando várias ações. Lógico que a gente quer reduzir o índice de criminalidade e da violência, mas há uma diferença muito grande em relação ao objetivo de um e o de outro. Com relação à participação da comunidade, eu já participei de muitas reuniões no CPC [Comando de Policiamento da Capital] em que vi que os líderes comunitários exercem sua cidadania em um sentido mais amplo. Nas operações feitas na capital, muitas das informações para as operações partiram da comunidade em todas as reuniões que a gente fazia nos quartéis. Essas informações alicerçaram nossas operações.

P: Em 1996, aconteceu o confronto entre PMs e manifestantes que resultou em 19 sem-terras mortos em Eldorado dos Carajás. A PM foi muito criticada pela ação feita lá. Depois começou a haver uma mudança de perfil na maneira de negociar. Aquele momento foi um divisor de águas?

R: Sim, aquele era um momento de transição. A Polícia Militar estava saindo dos quartéis e estava começando a ser empregada nas ruas. Tínhamos uma gama de oficiais que queriam seguir uma nova linha, mas ainda tínhamos outra gama de policiais que tinham uma mentalidade diferente. A polícia aprendeu com muitas coisas que aconteceram ali e novas ferramentas foram desenvolvidas a partir dali. Isso é que é interessante, não persistir no erro. Houve sim, a partir dali, uma série de mudanças. Você vê, hoje, a polícia com uma postura totalmente técnica na negociação. A polícia, hoje, procura solucionar a questão com o mínimo de trauma possível para qualquer uma das partes envolvidas. Isso vem acontecendo há muito tempo e eu acho que a população já percebeu isso.

P: Na sua farda está escrito ‘negociador’. Você acabou de chegar no comando e sabe que vai enfrentar pressão de todos os lados. Como você se coloca: é negociador, ou mais ‘mão pesada’?

R: O curso de negociação não te torna negociador. O curso te dá a noção da técnica. Você negocia o tempo todo na sua vida. Você só não tem noção que está negociando. Como eu vou ser no comando? Eu tenho uma vertente operacional muito grande. Há uma tendência, mas eu acho que eu sou de uma linha intermediária. Eu procuro aplicar essa vertente operacional com uma base estratégica de planejamento. Mas é melhor deixar que as pessoas julguem.

Fonte: http://diariodopara.diarioonline.com.br

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