Para Gimar Mendes, a lei não podia retroagir para valer já nas eleições de 2010. Sua posição, porém, já era esperada
Chega o Dia D da Lei da Ficha Limpa
Mendes fez um longo relato da jurisprudência do Supremo em casos que, de alguma maneira, tinham a ver com o artigo 16 de Constituição. Para ele, o trecho da Carta Magna é uma garantia para o cidadão eleitor, para o cidadão candidato e para os partidos políticos. "É garantia de um devido processo legal eleitoral", afirmou. Ele ressaltou que a aplicação da Lei da Ficha Limpa interferiu na fase pré-eleitoral. Na visão do ministro, o processo começa um ano antes, com a filiação partidária. "Se a alteração ocorrer em menos de um ano, pode prejudicar os próprios candidatos e a filiação partidária", disse.
Durante seu voto, o relator disse que o Supremo tem uma "sólida jurisprudência" sobre a aplicação do artigo 16 da Constituição. Ele prevê que "a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência". No entanto, ele ressaltou que somente em um caso foi analisada a questão da inelegibilidade. Foi em 1990, quando a corte julgou um recurso contra a Lei das Inelegibilidades (LC 64/90).
Na época, os ministros, por seis votos a cinco, garantiram a aplicação da norma naquele ano. "[Isso aconteceria porque] deixaria um vácuo que não seria permitido pela Constituição", disse Mendes. Para ele, a tentativa de aplicar a Lei da Ficha Limpa com o mesmo argumento levaria a uma "conclusão oposta". Mendes opinou no sentido que a interpretação dada pela corrente favorável à aplicação imediata das regras é "totalmente equivocada".
"Ditadura da maioria não é menos perigosa para a paz social que ditadura da minoria", disse, citando Hans Kelsen, jurista austríaco. Ele citou a pressão popular para que a matéria tenha sua aplicação imediata validada para o STF. "A corte tem que defender o cidadão contra sua própria sanha, contra seus próprios instintos", disparou.
Sem recursos
"Ela tem uma conotação que talvez tenha escapado a muitos ditadores", disse, em referência à alínea L da Lei da Ficha Limpa. A regra prevê que os condenados por improbidade administrativa por órgãos colegiados ficarão inelegíveis por oito anos. Mendes disse não saber se os autores da lei tiveram a intencionalidade de, em alguns casos, passar o limite de 30 anos determinado pelo Código Penal. "Em alguns casos, teremos uma pena perpétua", analisou. "Não consigo imaginar a intenção. Já é um tema para psiquiatria."
Argumentos
Para o advogado do peemedebista, Rodrigo Ricardo Pereira, a lei tem objetivos claros e, por conta dela, os direitos constitucionais do seu cliente foram fulminados. "A primeira violação foi do artigo 16", disse. Pereira afirmou que o processo eleitoral começa um ano antes das eleições, prazo para as filiações partidárias. No TSE, os ministros entendem de forma diferente. Os integrantes da corte superior decidiram que o processo eleitoral começa com as convenções partidárias.
Pereira lembrou que a Lei da Ficha Limpa foi publicada no Diário Oficial da União de 7 de junho de 2010, "três dias antes das coligações". "Como negar que uma norma publicada três dias antes das convenções altera o processo eleitoral", questionou. Além disso, ele ressaltou que, no caso do peemedebista, a maior violação é não respeitar o parágrafo 57 do artigo 5o da lei. O advogado criticou as novas regras, classificando-as como "próprias de regime de exceção". "A lei viola os princípios da Constituição", finalizou.
O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, rebateu os argumentos da defesa. No início da sua intervenção, ele disse que a decisão de hoje do STF "trará inevitáveis reflexos na forma com que a sociedade vê o político". Para ele, as novas regras de inelegibilidade não quebram a igualdade entre as candidaturas, não tendo distinção ente partidos ou viés político. E a sua aplicação em 2010 foi acertada. Ele citou também julgamento feito em 1990 pelo Supremo. A corrente majoritária entendeu que a Lei das Inelegibilidades (LC 64/90) não altera o processo eleitoral.
Além de ressaltar que as normas, na visão da PGR, estão de acordo com o artigo 16 da Constituição Federal, Gurgel atacou o outro argumento da defesa. Ele afirmou que o princípio da inocência dirige-se a proteção na esfera penal. "A Lei Complementar 135 estabeleceu um critério, como um edital de concurso, e não uma pena", disse o procurador-geral. Para ele, a moralidade administrativa não pode ser comprometida por "interesses individuais". No fim, comentou que o MP tem, neste momento, o melhor instrumento em defesa do regime democrático.
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