RIO - "Junto a vários grupos clandestinos, Dilma Rousseff organizou três assaltos a banco e cofundou a Vanguarda Armada Revolucionária de Palmares. Em 1969, ela planejou o lendário roubo conhecido como 'Roubo do Cofre do Adhemar'." É assim que o ex-embaixador John Danilovich descreve, ao Departamento de Estado americano, a atuação da recém-empossada ministra chefe da Casa Civil Dilma Rousseff durante a ditadura militar.
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Desde então, a presidente eleita passa a ser acompanhada de perto pelo governo americano, conforme revelam os documentos divulgados ao GLOBO pelo grupo WikiLeaks. No ano passado, o câncer linfático de Dilma preocupou os Estados Unidos, que chegaram a elaborar possíveis cenários eleitorais sem a candidata. A falta de carisma de Dilma e de relações com líderes religiosos na campanha também não passaram despercebidas por Washington.
Em telegrama aos EUA, de 22 de junho de 2005, Danilovitch coloca na ficha de Dilma essas quatro ações (três assaltos a banco e roubo do cofre do ex-governador Adhemar de Barros, de onde teriam sido levados US$ 2,5 milhões), o que a presidente eleita sempre negou ter feito. No processo do Superior Tribunal Militar (STM), de 1970, Dilma é acusada de "assessorar" assaltos, mas não de participar ou planejar as ações."Desempenho impressionante em sabatina hostil"
O diplomata escreve também que Dilma foi torturada por 22 dias, ficando presa três anos, e lembra que o promotor militar a chamou de "Joana D'Arc da subversão". "Rousseff separou-se de seu primeiro marido, Claudio Linhares, que em janeiro de 1970 sequestrou um avião para Cuba e lá permaneceu. No mesmo mês, ela foi presa pelo regime."
A resposta da ministra ao senador Agripino Maia (DEM-RN) sobre ter orgulho de ter mentido durante a tortura foi registrada como "um desempenho impressionante em uma sabatina hostil" por parte do ministro conselheiro dos EUA, Phillip Chicola, em maio de 2008.
Agripino tentou comparar o depoimento sob tortura com eventuais mentiras durante o testemunho aos senadores no caso do vazamento do dossiê dos cartões de crédito do governo Fernando Henrique Cardoso. Para Chicola, Dilma deu uma resposta dramática, que "a deixou no controle completo da maior parte do restante da audiência de oito horas".
Já em junho de 2009, meses depois de Dilma anunciar que estava com câncer, o embaixador que sucedeu Danilovich, Clifford Sobel, escreve um longo relatório respondendo à pergunta: "Quão doente está Dilma Rousseff?" Ele elenca possíveis substitutos para Dilma. Os principais seriam o ex-ministro Antonio Palocci e o chefe de Gabinete da Presidência, Gilberto Carvalho.
O governador tucano Aécio Neves aparece como opção de Lula fora do círculo petista. Para Sobel, a doença de Dilma expõe uma fragilidade do PT: "A doença de Dilma expõe uma vulnerabilidade que o PT não tinha até poucos anos atrás, quando poderia apontar para várias estrelas do governo e do Congresso. Essas estrelas, por uma ou outra razão, apagaram-se, e o partido adotou Dilma, a escolha de Lula, seu líder maior, no melhor, no pior, na doença e na saúde."Três cenários diante da doença de Dilma
Sobel relata ao Departamento de Estado que ainda há quem pense que o presidente Lula possa tentar alterar a Constituição para viabilizar um terceiro mandato, mas dá pouca credibilidade à hipótese. Para ele, Dilma "parece bem" e, caso possa manter a imagem de "uma lutadora e vencedora, isso poderá ajudá-la a vencer as eleições".
O embaixador pondera que observadores avaliavam que a condução da doença tentava "ser o mais transparente possível". Mas a embaixada trabalhou com três cenários:
"Em um cenário, ela e o círculo íntimo do PT já devem saber que está muito mais doente do que revelado e doente demais para ser candidata. Em outro, pode estar bem o suficiente para se tornar candidata, mas depois ficar enfraquecida pela doença e não fazer a campanha de forma eficaz.
Outro cenário, em harmonia com as declarações públicas do governo e dos médicos de Dilma, é que vai responder bem à quimioterapia e seu câncer pode ser considerado curado, ou pelo menos em remissão." Para o embaixador, o último era "mais provável".
Os telegramas traçam um retrato de uma política "não ideológica" e marcada pela imprevisibilidade. Descrevem como "uma colcha de retalhos" a possibilidade de alianças partidárias regionais serem diferentes das alianças em nível nacional. A perspectiva de um êxodo de figuras do governo para se candidatarem preocupou a ministra conselheira da embaixada Lisa Kubiske, mencionando que mais de 50% dos ministros poderiam deixar suas pastas: "Tal fato reduziria dramaticamente a capacidade de governo durante a temporada de campanha", escreveu em outubro do ano passado.
E mesmo um ano antes das eleições, o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), já era citado como o mais cotado para ser o vice de Dilma. As conversas com políticos ajudam a montar os perfis para Washington. O senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) disse a Kubiske que a falta de carisma fazia de Dilma "a adversária perfeita para Serra" porque "a torna incapaz de tirar vantagem da própria falta de magnetismo pessoal dele".
Com a campanha de Dilma ainda "sem decolar" em fevereiro, Thomas Shannon, que sucedeu Sobel, destaca que o PT lançaria mão de uma estratégia para atrair o eleitorado católico e evangélico.
O acordo de Lula com o Vaticano incluindo educação religiosa nas escolas públicas é visto como estratégico, assim como a inclusão de anúncios do governo nas revistas da Igreja Universal do Reino de Deus, ressaltada no telegrama como dona da segunda maior rede de TV do país. Meses mais tarde, a questão religiosa monopolizaria o segundo turno das eleições presidenciais.
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